sábado, 8 de janeiro de 2011

Praia esquizoide


Olá, meu caro, tudo bem com você

Hoje estive na praia e foi uma pena que você não estava com a gente. Garanto que você iria se divertir muito por lá, dada uma série de fatos realmente interessantes.

Você já me conhece há tempos e sabe dessa minha necessidade doida de sempre consultar as diversas teorias para refletir sobre fatos que eu deveria, a exemplo de Caeiro, sentir. Parece que estou buscando uma essência das coisas, mas não estou. Eu gosto do diálogo e da possibilidade de confrontar idéias. Evitá-las é tão covarde quanto estabelecer uma essência eterna para todas as coisas. Enfim, esse é o meu jeito.

Hoje pensei nos "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade". Nele, Freud menciona a clássica ideia do par exibicionismo e voyerismo. Em época de começar BBB começam a aparecer trocentos especialistas para falar da "modernidade" do tema (o texto do velho Zig é de 1905) ao apontar a sociedade de espetáculo que vivemos ou vem aqueles que pasteurizam tudo e resolver fazer um essencialismo biológico de quinta categoria negando ao desejo humano os seus aspectos sócio-culutais e até mesmo os psicológicos pelo imperativo da reprodução.

Passada a papagaiada cult o fato é que hoje parecia um típico dia de sábado e atípico para o que estávamos vendo durante a semana, eu e meu amigo. Ficamos por horas a espera de achar um ponto estratégico em meio a uma tarde de sábado cheia na praia. Foi então que avistamos um coroa que era uma cruza de Silvio Santos com Manolo Otero há 30 anos que estava com uma canga com desenho da bandeira brasileira e uma sunga combinando com ela. E perto dali dois rapazes gringos muito bonitos pediram, depois da nossa luta em fincar a barraca e achar sombra naquele que pareceu o ponto mais vazio da praia, para vigiar seus pertences enquanto ia na água. E um pouco mais próximo da beira, uma figura de boné com uma garrafa vazia de H2OH! na mão conseguia, como bom voyeur, ter olhos para os três momentos: os rapazes, eu e meu amigo e Silvio Otero com o amigo, amante, sei lá o que dele.

A água hoje estava melhor que ontem, mas as ondas não estavam de brincadeira. A minha sunga está em petição de miséria. E quem fica na beira acumula mais areia no calção, então parecia que eu estava todo cagado com aquela sunga velha, esticada e sem elasticidade, comprada nos tempos em que eu estava mais gordo. Não que eu seja magro, mas acredite em mim, eu estava maiorzinho.

Foi meu amigo que chamou-me a atenção para o lance da areia e daí, após refletimos, decidi que vou pegar a dica do chileno parecido com o Joey Fantone e comprar em uma loja em minha cidade uma sunga nova. Resolvi quebrar o protocolo de me secar de pé e sentei para diminuir a sensação de vergonha.

Eis que a praia começa a esvaziar mais e então aparecem novas pessoas. Esse movimento é engraçado, parecem as ondas que trazem oferendas da semana passada de volta para areia, enquanto é capaz de levar para si areia e, muitas vezes, pessoas. Por isso os salva-vidas estavam de plantão na beira do mar e apitando para quem resolvesse pegar jacaré em um ponto mais distante.

Saquei a câmera e comecei a fazer fotos, meu vício maior. E do nada aparecem dois rapazes e uma moça com a camisa de alguma ONG fazendo a limpeza da areia. Em princípio achei que eles iriam para outros pontos da praia, mas para a nossa surpresa eles resolveram ficar ali.

Falei aquela papagaiada freudiana do desejo de observar. Deve estar ligado a minha estrutura neurótica sempre vivendo na ambivalência da dúvida e da certeza. Olhar é o nosso meio de acesso a conhecer. E ao mesmo tempo que eles ficavam só de sunga, o nosso conhecimento e supresa aumentavam.

Aquele loiro, ah aquele loiro. Sempre eles! Não tirou a mão do pau em nenhum tempo que estávamos ali. Sabia que estávamos gostando e ele se exibia. Era um jogo que mexeu com esse lado ativo do voyeur com o passivo do exibicionista. Quando os nossos olhares se encontravam - ele tinha olhos verdes belíssimos - eu ficava tímido.

Outro dia escrevi um texto falando do norte do desejo e seus ideais. Ali não era nenhum bolsão gay e talvez por isso as investidas do olhar se tornam mais interessantes. Ao mesmo tempo era de se estranhar de que alguém que não aparentava ser um pay-per-view sexual com um belo corpo fazer tudo aquilo. Sabe como é cabeça de gordo e neurótico, ele precisa da dúvida para saber se é alvo do desejo de alguém.

O que eu tinha me esquecido, meu caro, é que a sexualidade tem a sua fase de auto-erotismo quando ainda não entendemos o corpo como um "todo". Naquele jogo de olhar e ser olhado havia por uns breves instantes a presença marcante da mão sobre aquela sunga e só. Sabe aquele lance que te disse da gestalt sobre figura e fundo? As mão frenéticas eram a figura.

Claro, teve momentos de observar o todo, o belo rosto e o corpo malhadinho sem exageros. Um sorriso meio sonso, além do amigo moreno dele de bunda pequena e vermelha e aquela moça cuja presença no cenário até agora eu não consigo entender além de ajudar no recolhimento do lixo. E olha que nem ela, e nem a família que chegou depois, inibia os movimentos do loiro.

Falando em gestalt aquele ponto ficou mais "pink" depois que chegaram três figuras que resolveram ficar ali perto. Havia um careca magro lindo com barba por fazer e lábios grossos. Esse é um dos vários tipos que o meu desejo eclético pistoleiro serial killer adora. Formou-se ali, naquele lugar aparentemente vazio, uma gestalt rosa. Lei da proximidade. E essa lei me deixava ainda mais doido quando o tal careca olhava para nossa direção entremeado pelas investidas do loiro.

Engraçado como esses jogos sexuais ficam fixos nesses pontos. O coração bate mais forte, há uma adrenalina e no fundo é mais um dos grandes teatros que todos nós participamos. No caso de nós homossexuais, o silêncio é uma tônica forte. Muitas vezes por não termos a liberdade da cantada direta - apesar de que muitas vezes ela possa vir a acontecer sim. Ou então, o maldito norte do desejo em seu aspecto aprisionador, impede que tipos diferentes se dialoguem. É um conflito que a diferença de corpos pode trazer e então ela prefere a "metafísica de não pensar em nada".

Não sei até que ponto faz sentido tudo isso que estou mencionando pois está tudo fresco - com trocadilho, por favor - na minha cabeça. Talvez seja hora de um bom descanso disfarçado, a exemplo do loiro, e se submeter ao próprio prazer. E deixar a roda da vida continuar com seu trabalho.

No mais, por hoje é isso.

Um beijo grande,

.O

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