quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Todos nós nos sentimos melhor na escuridão

Olá meu caro,

Recebi a sua carta ontem à noite e confesso que quando a li as risadas foram inevitáveis. É impressionante como certas coisas que a gente debocha por ai acabam se concretizando na realidade de uma maneira até previsível, mas que quando nos acontece é inesperada.

Sempre damos boas risadas quando há caras atrás de outros e colocam "heterossexual" em sua orientação. Tem também os clássicos bissexuais, em que o gênero de seu objeto de desejo é tão flexível que os caras só vivem correndo atrás de homem. Tudo bem que tem todo aquele tratado psicológico dizendo que não se pode ter categorias estanques para a sexualidade e tudo o mais. Só que o problema é que a psicologia esquece da cultura e de um dado muito importante: a escuridão. É nela como você sempre procurou me mostrar que as coisas se revelam. E o que tem acontecido com você é um caso interessante.

Veja bem, você conhece um cara, um típico - se é que se pode usar essa palavra sem correr o risco de parecer essencialista e preconceituoso - representante da classe trabalhadora do Brasil varonil. E de repente ele pode nos "explicar" ou pelo menos de ser mais próximo daquilo do que se chama de curioso.

A figura sai da posição passiva de São Sebastião, daquele típico cara que só se deixa ser chupado como forma de garantir a sua masculinidade. Isso não é uma simples questão de desejo, tem cultura, valores sociais nisso. Aliás não sei porque o cara que se deixa chupar e não chupa se glorifica tanto de ser ativo se a posição que ele se encontra é tão vulnerável.

Agora rola uma certa interação contigo. Ele conversa antes ou depois do ato consumado. Permite até a masturbação mútua. E ainda te faz elogios quando ele te vê em plena luz do dia e projetando toda a sorte de personagens masculinas que povoam o nosso imaginário em você. E veja que rola até uma certa dose de ciúme e curiosidade por parte dele sobre o que tu andas fazendo com outros. E agora nas conversas nem de mulher ele fala mais, justo elas que mesmo no discurso poderia ser a garantia dele de conexão com o mundo heterossexual.

Você sabe que um de meus grupos favoritos tem uma música que se inicia com "os segredos da atração sexual". O nome dela é "We all feel better in the dark". É isso, no escuro, quando não há olhos dos demais a controlar e nem câmeras espalhadas no ambiente, nos sentimos melhor. Acho que parte do medo de escuro que temos deve ser o encontro com esse inesperado do desejo. E é o olhar que ele tanto deseja em plena escuridão, seja ela física ou dos fatos. Lembra-se de que ele reparou quando outro cara olhava para você. O reconhecimento de um terceiro deve ter mostrado o quanto você pode e deve ser desejado.

Sei que minha resposta parece confusa nesse ponto, mas não é muito diferente das atitudes dessa figura. Devo estar captando o ritmo dele conduzir as coisas. O que vai sair daí eu ainda eu não sei. mas a lição valiosa de que no escuro as coisas se revelam, essa ficará, independentemente do que possa acontecer por ai. Deve ser por isso que no fundo chego a conclusão existencialista de que as definições são impossíveis. Elas estão lá no escuro, mudas, junto com os preconceitos, amarras do desejo, formas de nomear as coisas, câmeras e tantas outras coisas que poderiam quebrar com a sua diversão de sempre.

Me despeço por aqui na esperança de que você tenha compreendido o que eu disse e que a situação toda prossiga em seu mistério a te revelar coisas novas no futuro. Se serão boas ou ruins, deixe isso por conta do tempo. Viva!

Um beijo,

.O

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