quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sobre a posse

Certas desilusões amorosas são capazes de trazer a questão: o que me causa a tristeza. É a perda do ser amado? É a sensação de não ser mais desejado pelo outro? É por que não o possuo mais? É difícil colocar em respostas simples algo que é tão subjetivo e ao mesmo tempo compartilhado por muitos: a dor do amor perdido. No entanto, analisando um de meus sonhos eu tive bons insights sobre isso.

O blog dos meus sonhos é muito bissexto. Tem sonhos até interessantes - daqueles que tenho a coragem de publicar, obviamente - que eu anoto o esboço em um papel e depois o perco. O último tinha dados interessantes: um vinho de boa qualidade em uma garrafa de plástico vagabunda, uma ex participante de BBB exibicionista querendo roubá-lo e não querendo deixá-lo para ser entregue em um orfanato.

Tem relações amorosas talvez que deixamos envelhecer como o vinho. Mesmo distante eles vão se enriquecendo, ganhando mais qualidade. O que ocorre é que o vinho é algo que nos causa torpor, por melhor que ele seja. Passamos a entrar em uma fantasia relaxante. E tenho que lembrar que bebida alcoólicaé a única droga que consumi até hoje, então a presença dela no sonho justifica essa necessidade da fantasia, do escapismo.

Muitas pessoas devem ter ouvindo a famosa frase de que não se julga nada pela embalagem. Por outro lado muitas vezes é bom fazer a inversão disso. Como no conto de Poe, a Carta Roubada, onde o comprometedor objeto do título está no lugar mais óbvio da casa do ministro enquanto detetives se perdem em técnicas sofisticadas de tentar encontrar a carta em algum canto escondido. Nesse sonho a embalagem de plástico talvez mostre que a qualidade das coisas nem é tão boa assim.

O plástico permite também outras associações. Uma garrafa dele é mais fácil de ser levada. Daí a idéia que trago no título desse post sobre a posse. Possuir a garrafa de vinho - o ser amado - da maneira mais fácil possível e manipuladora sendo ela feita de plástico reflete bem essa necessidade estranha da posse que há no meu afeto. E o plástico é resistente, não quebra e leva anos para se decompor. Essa resistência em não abandonar a fantasia fica evidente.

A exibicionista querendo roubar o que há de precioso pode mostrar o óbvio que não quero aceitar. Além disso ela pode simbolizar a necessidade de ser livre, de estar em novos ares ainda que roubando algo que me é tão precioso. O roubo dela é uma maneira de dizer: acorda, Alice!

O orfanato é uma necessidade infantil de ser amado. Crianças órfãs representam a carência escondida atrás de um posto de gasolina que poderia representar muito bem o meu lado explosivo, apaixonado, enérgico. A mesma energia que uso depois para acusar a ladra. Tudo bem que ela representa também, até pelo lugar que ela nasceu, a figura amada/idealizada de outrora. Encontrei uma maneira de realizar meu desejo de puní-la por roubar algo que é meu. Se eu antes estava com a Márcia e agora com ela, é que ela me roubou a tranquilidade e minha fantasia, ela me trouxe para o mundo real onde há desilusões amorosas. E isso o meu querido supereu não permitiu, obviamente. Até porque os louros para abater a minha própria carência afetiva - o orfanato- não deveria, em tese, ser desse espírito livre, mas do meu próprio ego. Ela mexeu num ninho de maribondos chamado posse.

Engraçado como uma mesma personagem pode representar eu mesmo, a outra pessoa e ao mesmo tempo o meu desejo sem controle, exibicionista, fútil e frívolo, como eles são.

O que me resta agora, passada a batalha da posse é fazer como no sonho e buscar o meu próprio caminho. Há adolescentes na rua namorando que necessitam do meu cuidado. Isso quer dizer que há um desejo de estar com alguém de uma maneira mais madura que a carência do orfanato sujeito ao charlatanismo do desejo que se engana por si só e se deixa enganar por outros. E esse cuidado implica responsabilidade, essa que só eu mesmo tenho a devida posse. A posse sobre mim mesmo.

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